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ARTIGOS: Educação




Divulgação Científica e seus Paradoxos

Não podemos negar que, pela imagem presente no imaginário popular, a ciência exerce um enorme fascínio sobre as pessoas. Basta tentar lembrar do estereótipo de cientista que vem a mente da maioria quando ouve falar deles: alguém imagina, no lugar de um cientista, um homem casado, com filhos e de aparência normal ou a primeira caricatura que se forma na nossa imaginação é a de um intelectualóide assexuado? Provavelmente a maioria reconheça como verdadeira a segunda alternativa, demonstrando o quanto a ciência é mistificada e distante da maioria das pessoas. Pouca gente sabe ou acredita nisso, mas, cientistas, em boa parte dos casos, são pessoas comuns com um treinamento diferenciado.

O que causa esse fascínio em torno da ciência, que leva a produção de tantos livros e filmes de ficção científica? Com certeza são vários fatores, entre eles sua capacidade – e também a promessa – de responder a dúvidas, questionamentos e buscar soluções como a cura de doenças e o aumento da produtividade agrícola. Estes são alguns dos motivos, mas talvez seja outro o principal causador de tamanha mistificação da ciência: o desconhecimento. Já repararam o quanto aquilo que é desconhecido ativa a imaginação de todos? Pois bem, o mesmo ocorre com nossos laboratórios e instituições de pesquisa, com o agravante de estes últimos serem os responsáveis por inúmeras criações fascinantes. Para alguns, este é o caso da ciência, ela é uma ilustre desconhecida da maioria de nós. E é aqui que entra o papel da divulgação científica.

Antes de chegarmos às polêmicas propriamente ditas, são necessárias algumas informações sobre a divulgação científica, a começar pela sua definição. Para Marcia Reami Pechulla, professora do Departamento de Educação da Unesp-Rio Claro, são considerados de divulgação científica materiais que vão a público com a finalidade de informar a sociedade sobre descobertas e invenções da ciência. A divulgação é entendida como uma forma de difusão do conhecimento científico para além do limite dos locais onde são produzidos (universidades, laboratórios, centros de pesquisa, etc). De acordo com Lilian Márcia Simões Zamboni, em seu livro “Cientistas, Jornalistas e a Divulgação Científica”, podem ser considerados meios de divulgação os periódicos especializados, os bancos de dados, as reuniões científicas, as seções especializadas das publicações com caráter geral, as páginas de ciência e tecnologia dos jornais e revistas, os programas de rádio e televisão dedicados à ciência e tecnologia e o cinema dito científico, entre outros. Para muitos autores da área, caberia à divulgação a tarefa de partilhar o saber e o levar até o cidadão comum, que sempre esteve apartado deste conhecimento. A divulgação consistiria em comunicar ao público, em linguagem acessível, os fatos e princípios da ciência.

Trocando em miúdos, a tarefa de um divulgador de ciência é transformar pesquisas e artigos em textos acessíveis ao público leigo, de maneira que variados tipos de leitores, com diferentes formações e níveis culturais entendam. Todavia, aqui reside um dos maiores problemas da divulgação: como fazer isso sem banalizar um experimento, sem transmitir uma idéia equivocada de ciência? Esse problema está muito bem expresso na frase da professora de jornalismo Milagros Perez Oliva, da UAM – EL, em reportagem de Mariluce Moura na edição de junho da revista “Pesquisa FAPESP”. De acordo com a professora Milagros, “a notícia científica tem um grande valor quando bem elaborada, porque gera opinião e conhecimento, mas é a mais arriscada quando malfeita e tendenciosa porque pode provocar danos sociais pelos quais vamos todos pagar”. Nesse ponto, há uma grande divergência entre os cientistas e, principalmente, entre cientistas e jornalistas de divulgação, situação muito bem definida na fala do professor de história da ciência da Universidade Autônoma de Madri, José Manuel Sanchéz Ron, na mesma reportagem de Pesquisa FAPESP. Para ele “cultura e ciência são parte da vida intelectual, mas entre elas existe uma incompreensão, hostilidade e antipatia”.

Nesta guerra, os cientistas estão divididos em dois fronts: no primeiro, estão aqueles que consideram a divulgação uma importantíssima aliada, desde que bem feita. Para estes, a ciência e divulgação fazem parte de nossa cultura e podem contribuir ainda mais para a formação de uma verdadeira cultura científica. A bem da verdade, existe uma demanda fixa e cativa por materiais de divulgação e a quantidade de páginas de jornais dedicadas a ela ou mesmo revistas especializadas só tem aumentado nos últimos anos. Entre outras coisas, o maior contato com o mundo acadêmico e seus produtos poderia ajudar a desmistificar o estereótipo de ciência e cientista, despertando interesse da sociedade e ajudando, inclusive, na captação de recursos para pesquisas, devido ao grande apelo popular gerado. Como exemplo disso, já há casos de cientistas invertendo a ordem natural das coisas, divulgando sua pesquisa na mídia antes de publicá-la, com o intuito de comover a opinião pública e com isso angariar mais verbas. Não podemos também ignorar a ficção científica que aparece nos filmes. As idéias mirabolantes dos filmes de ficção e posteriores descobertas da ciência levantam uma velha questão: a ciência imita a arte ou a arte imita a ciência? Diferentemente do que pode parecer a princípio, a pergunta não é tão descabida. De acordo com muitos, a ciência poderia sim imitar a arte e os filmes servirem como inspiração. O agente 007 e a telefonia móvel estão ai para provar.

Todavia, há quem pense na divulgação como inimigo e não aliado da ciência. Para estes, a divulgação causa uma séria deturpação da ciência, principalmente pelo fato de inverter a ordem de importância das diferentes etapas de um trabalho científico sério. Na ciência, a metodologia é algo muito caro e precioso para os cientistas, e faz toda a diferença entre um trabalho ser considerado inútil ou de grande qualidade, às vezes independentemente dos resultados. Porém, todo leitor de páginas de divulgação sabe que em grande parte dessas reportagens (há louváveis exceções) a preocupação com a metodologia passa longe. Isso causaria a infame visão deturpada da ciência ou até mesmo sua mistificação, já que faria passar despercebido do leitor todas as dificuldades e dúvidas enfrentadas pelos cientistas ao longo do experimento, excluindo a possibilidade de visão crítica dos resultados – estes sim bastante valorizados nas reportagens de divulgação. Outro problema é a escolha dos temas. A demanda por materiais de divulgação é crescente e isso significa que há um mercado esperando pelas notícias. Mercado este que tem preferência por determinados temas em relação a outros, podendo levar a divulgação de apenas alguns temas, causando restrições na visão sobre ciência do leitor ou mesmo uma certa vulgarização dela.

Uma das formas de trabalhar este problema seria a aproximação entre jornalistas e cientistas, entretanto, estas tentativas de aproximação são recentes, e segundo a jornalista Mariluce Moura, de “Pesquisa FAPESP”, se os jornalistas buscam melhorar a prática da divulgação, dentro do meio acadêmico isso não ocorre. De acordo com ela, uma prova disso foi a IV Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em Brasília em maio, na qual o papel da mídia foi quase ignorado.

Não podemos também esquecer o impacto da mídia na educação. Crianças passam a cada dia mais tempo assistindo a televisão e navegando na internet. Não há dúvidas de que as informações transmitidas em programas e sites sobre ciência têm grande poder de se fixar nas mentes dessas crianças, talvez mais até do que o ensino escolar – mais um motivo para se preocupar com o rigor nas reportagens dos meios que divulgam ciência.

Em suma, a demanda por materiais de divulgação e seu impacto na sociedade é grande e crescente, não podendo mais ser ignorado. É urgente uma revisão, por parte de jornalistas e pesquisadores, de sua postura em relação a ela, aparando as arestas que existem entre os dois setores envolvidos, para que a qualidade da informação científica seja cada vez melhor. Essa aproximação não pode apenas ser entendida como uma necessidade imposta pela sociedade, mas sim como uma parceria que pode ser boa para ambos, ciência e mídia.

Alexandre Peressin – 5º ano de Ciências Biológicas







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