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ARTIGOS: Filosofia da Ciência




Crítica ao fazer Ciência

O título é propositalmente ambíguo, afinal, trata-se de uma crítica que surge ao longo do processo de fazer Ciência e, ao mesmo tempo, é uma crítica à maneira como a Ciência vem sendo feita, sobretudo, ao “o quê se faz” advindo do “como fazer”, logo, nada mais do que uma metalinguagem dedicada à própria Ciência. Com isso, a partir de então, já será pontuado que “Ciência” não será mais grafado com letra maiúscula – ciência, e que Eu, Você e Nós, são Ciência. Por quê?

A história da ciência moderna está intimamente envolvida com o surgimento da psicologia e suas tentativas de se estabelecer enquanto Ciência. Tentativas? Sim! A sociedade moderna desfrutava-se das emergentes conquistas mecanicistas, tecnológicas e capitalistas do progresso resultante da Revolução Industrial enquanto deixava de explorar, desenvolver e expressar questões íntimas, psicológicas e emocionais. A regra era trabalhar e de acordo com Hilton Ferreira Japiassu, em sua obra “Nascimento e Morte das Ciências Humanas” (1982), havia um forte misticismo impregnado na sociedade moderna que a assemelhava a sociedades medievais, uma vez que não se percebia o desenvolvimento de um espírito crítico, de questionamentos.

A realidade da época passou a trilhar novos caminhos, principalmente frente aos primeiros estudos psicológicos que vinham tentar ilustrar certas anormalidades humanas que em muito afetavam as funções físicas, motoras das pessoas. Que tal feito portava uma segunda intenção, que era a de conhecer/estudar para maximizar a produtividade, é óbvio, assim como ninguém imaginava que tais estudos trariam a base de grandes questionamentos atuais sobre a ciência e sua atuação, desenvolvimento em sociedade.

Ora comportando-se como uma ciência de estudo do comportamento humano, uma ciência mais palpável, ora como uma “ciência” abstrata demais, a psicologia arduamente traçou seu caminho ao longo do tempo abrangendo as interpretações de humano cunhadas por linhas de pesquisa de vários pensadores/cientistas – desde a metafísica e catarse dos estudos de Sigmund Freud até a dialética, signos e re-significações de Henri Wallon e Lev Vygotysky.

Não especificando cada uma dessas linhas nem outras tantas da psicologia do desenvolvimento humano, cabe apenas ressaltar que há linhas que excluem outras, mas que, entretanto, muito pode ser obtido da assimilação de linhas similares. Dessa maneira, obtém-se uma compreensão e aceitação de um ser humano que pressionado pela sociedade (ou não) quanto a sua maneira de ser e agir, acaba por ser e agir transformando a si mesmo e a sociedade, permitindo-se expressar e ser “afetado” (de afeto). A tal feito, podemos mencionar a formação ou desenvolvimento da subjetividade e da cultura.

Paralelamente, no mesmo contexto de modernidade, a ciência estabelecia-se com o desenvolvimento do método científico, o qual é tão conhecido atualmente. Por meio da observação, com conseguinte experimentação para comprovação de dado objeto ou relação em estudo, com valorização da neutralidade pessoal, ausência de subjetividade, a formação de dúvidas apenas era pertinente se viesse a ser de dúvidas plausíveis de serem comprovadas, observadas e quantificadas, logo, uma verdadeira “ditadura”, uma censura científica estruturava-se diante das necessidades humanas de compreensão acerca do intelecto, emocional, sentimental e mesmo numa estância mais biológica, acerca do neurológico, também.

Entretanto, atentando-se para a questão da subjetividade acima mencionada, temos que o quê é o homem se não fruto de seus feitos em decorrência a sua percepção de mundo, vulnerabilidade ao meio e às sensações desencadeadas por esse? Nada. Como pode a ciência ser realmente impessoal? Neutra, subjetivamente? Afinal de contas, a metodologia cientifica tradicional é fruto antigo de um processo de desenvolvimento tecnológico que fechava os olhos para as questões íntimas do ser. Que ciência temos feito? Que ciência temos transmitido? O que é isso?

Talvez a preocupação maior não seja o classificar e sistematizar respostas para tais questionamentos, mas sim a cruel realidade que é o não sabermos o que responder ou, se em meio a algumas tentativas de respostas, não sabermos o porquê de responder, o porquê de tais perguntas. Estamos de olhos fechados e mesmo assim, cegos, temos conduzido muito da divulgação científica, da divulgação do que não compreendemos. Temos despido o mundo sem sequer saber se estamos conhecendo-o bem. Temos procurado em um mundo cujas realidades refletidas precisam ser unânimes, em comum. Temos realmente feito ciência?

Se observarmos o método científico como a arte que o humano desenvolveu para conhecer e apreciar cada minúcia do mundo, da natureza, temos, infelizmente, que foi uma arte que, curiosamente, não evoluiu. Ainda não evoluiu? Seria apenas uma questão temporal? Assim, de maneira contrastante, enquanto temos hoje no campo das Artes uma saturação de conhecimentos oriundos de processos de releituras, temos no campo científico um pesquisar incessante amarrado a práticas e concepções antigas, tradicionais, de mundo e do como compreendê-lo. O novo tem sido negado.

Recentemente, com as preocupações ambientais acerca do aquecimento global, várias propostas de compreensão de mundo surgiram trazendo consigo vários fundamentos científicos, entretanto, que propunham novas maneiras do fazer ciência, do direcionar os estudos, as observações – muitas das quais seriam difíceis de serem quantificadas, testadas experimentalmente, pois, geralmente, envolviam condutas traçadas sobre relações entre organismos e entre esses com o meio. Logo, não por menos, era e é difícil analisar tal dinâmica sobre a óptica do método científico tradicional.

No final do século XX e começo do século XXI, alguns trabalhos merecem destaque sobre a repercussão que tiveram em sociedades devido à repressão sofrida pela ciência. Humberto Maturana, com a obra “Emoções e Linguagem na Educação e na Política” (1998) aparentava não ser uma ameaça ao método científico, sendo por outro viés, muito valorizado nas áreas da Pedagogia, Sociologia e Antropologia. Entretanto, com um “ensaio” mais focado na ciência, a partir da obra “Cognição, ciência e vida cotidiana”, Maturana passa a atribuir certas responsabilidades ao processo de desenvolvimento da ciência no que se refere a condutas humanas sociais, mostrando uma ciência que se desenvolve em plena sociedade e suas demandas e percepções, mas que, porta também relações emocionais, linguagens diferenciadas, interpretações diversas de mundo e de tais demandas sociais. Assim, Maturana acabava por estreitar a íntima relação entre ciência, enquanto Biologia, a ciência da vida, e ser humano, sobretudo no que se refere à sociedade.

Diante dessa relação, a obra de Maturana passa a ser vista realmente como um ensaio epistemológico, apenas uma releitura repleta de reconsiderações e ressignificações, “algo sem maiores propósitos” – porém, Maturana já possibilitava um abrir de olhos mesmo que ainda em plena escuridão. A seguir, em parceria com Francisco Varela na obra “A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana” (2001), Maturana e Varela concretizaram à luz da Biologia a cognição humana, o processo cognitivo humano, relevando a força da subjetividade, da pessoalidade, do pluralismo interpretativo, na formação de um conhecer o mundo de maneira íntima e social, altruísta, amorosa – assim, cunharam as bases da teoria da autopoiesis e da “Biologia do Amor”.

Entretanto, Maturana e Varela com a criação da “Biologia do Amor”, colocaram o método científico tradicional como algo extremamente questionável, uma vez que muito do que existia, evoluía e interferia no meio, modificando-se e modificando-o, era impossível de ser experimentado, testado, quantificado, ou melhor, impossível de ser observado e sim, apenas sentido. De maneira análoga, trata-se do mesmo impasse vivenciado pela Psicologia do Desenvolvimento para quantificar a importância do afeto nas teorias de Henri Wallon – neste caso, como quantificar o grau de altruísmo? Com o que o altruísmo reage? Pelo o quê é composto? A ciência que conhecemos hoje pode explicar?

Concomitante e semelhante à necessidade de reestruturação da ciência proposta por Maturana e Varela, outros foram os trabalhos que propuseram novas releituras acerca da maneira de observar e estudar o mundo. Com aspectos mais ecológicos e sistemáticos, mas nem por isso menos epistemológicos, temos os trabalhos de Fritjof Capra, Lynn Margulis e de James Lovelock, que, aceitos pela ciência, pela academia, quando em seus, hoje ganharam a fama de sensacionalismo ou mesmo de uma ciência duvidosa, sendo, então, relativamente pouco valorizados em suas plenitudes.

E agora? Interessante em meio à tamanha gama de valorização da subjetividade humana, relembrar o título da obra de Hilton Ferreira Japiassu: “As Paixões da Ciência” (1991). Quais são realmente as paixões que nos movem à promoção da ciência? Promoção da Ciência? Da Ciência grafada com maiúscula? É tradicional mencionar que o quê lhe move ao conhecimento deve lhe ser algo prazeroso, entretanto, atualmente isso pode ser mantido? Quais são as contribuições da ciência para o seu próprio desenvolvimento e auto-compreensão? Você tem “evoluído”?

Precisamos sentir mais as descobertas científicas e tirá-las apenas dos domínios laboratoriais ou do campo para traduzi-las a sinais coletivos, sociais, que possam aguçar a curiosidade, o passional descobrir a natureza, típico do pensamento pré-moderno, típico do resgate da espécie humana, das demais espécies.

Artur Rodrigues Janeiro – 4º ano Ciências Biológicas







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