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ARTIGOS: Bioética




Homossexualidade e adoção em uma família moderna

A homossexualidade sempre existiu junto à história da humanidade. Na Grécia antiga, por exemplo, a homossexualidade era exercício dos favorecidos socialmente, enquanto que a heterossexualidade era uma prática socialmente inferior reservada à procriação. Em Roma, o ato homossexual tinha valor próximo de relações entre heterossexuais, embora o indivíduo passivo sofresse censura de poder, já que a passividade implicava fragilidade de caráter. Mas o preconceito moderno advém mesmo das religiões, um aspecto cultural que impôs a inversão de valor e visão quanto à prática sexual. As relações sexuais praticadas por indivíduos de mesmo sexo eram vistas pela Igreja como pecado, perversão e até como transgressão de valor. Na Idade Média, a prática homossexual era comum em lugares de confinamentos, isolados, mas nunca admitidas publicamente. A Igreja - tida como uma instituição cada vez mais forte - restringiu a relação sexual apenas à reprodução, ou seja, entre homem e mulher, com finalidade de terem filhos. Ainda hoje a Igreja Católica condena a relação sexual antes do casamento e como não é aceito matrimônio para casais homoafetivos essa pratica é proibida.

Assim, podemos perceber que, junto à expansão do cristianismo, houve o reforço do preconceito e da intolerância aos atos homossexuais, antes vistos como aceitáveis.

A criação do termo homossexualismo, feita pela médica húngara Karoly Benkert em 1869, significa sexualidade semelhante, homólogo ou semelhante ao sexo que a pessoa almeja ter, ou sexualidade exercida com uma pessoa do mesmo sexo. O sufixo “ismo” geralmente implica em doença, portanto, possui um caráter preconceituoso. Hoje em dia usa-se o termo homossexualidade (onde “dade” implica “modo de ser”), que dissocia essa idéia de doença e traz o homossexual para o campo da diversidade e da construção de identidade.

Mas qual a origem da homossexualidade? Existem cientistas que acreditam ser esta originada por efeitos biológicos. Alguns estudos feitos em ratos testaram a ação de doses 500 vezes maiores que o recomendado para humanos de pesticidas piretróides e os resultados mostraram que o mesmo interfere no sistema nervoso central, afetando a atividade do neurotransmissor Gaba associado ao aprendizado e comportamento sexual. Esses ratos apresentaram índice de testosterona até 40% abaixo do normal. Há relatos de pesquisas, também utilizando ratos, nas quais fêmeas lactantes receberam chumbo que inibe a produção GnRH, hormônio responsável pelo estímulo à produção de outros hormônios sexuais. O resultado é uma desmasculinização da prole. O mesmo aconteceu com a prole ao se administrar antialérgicos às fêmeas lactantes e gestantes. Porém, em todos esses experimentos, doses muito acima das indicadas para humanos foram utilizadas, além de que os experimentos foram ministrados em ratos e não se pode concluir com certeza que os efeitos seriam os mesmos em humanos.

Existem estudos que apontam para fatores genéticos que determinariam a manifestação da homossexualidade. Estudos com gêmeos univitelinos (que possuem o DNA idêntico) demonstram que há uma correspondência de mais de 50% entre a sexualidade dos dois irmãos/irmãs. A correspondência permanece alta mesmo quando os gêmeos não são univitelinos, onde os estudos apontam para pouco mais de 20% de correspondência na homossexualidade.

Outros estudos, sobretudo aqueles influenciados pela ótica da psicanálise, crêem que a conjunção do meio com a figura dominadora do genitor do sexo oposto são decisivos na expressão da homossexualidade. Para o criador da psicanálise, Sigmund Freud, a homossexualidade pode ser um desenvolvimento normal em algumas pessoas. Freud defendia a teoria de que há uma bissexualidade natural em todas as pessoas e que elas desenvolvem a heterossexualidade por instinto biológico. Nesse sentido Freud defendeu a hipótese de que a homossexualidade adulta pode estar correlacionada com limitações dos instintos sexuais na infância, inibindo o desenvolvimento da heterossexualidade. Nesse sentido, um dos motivos para a homossexualidade resultaria do Complexo de Édipo na infância.

Para os que defendem a influência do meio, perante a complexidade do comportamento humano seria incorreto limitá-lo meramente a fatores genéticos. O único ponto em que a maioria dos atuais investigadores concorda é que o comportamento homossexual é uma característica que se manifesta na espécie humana. É preciso que se admita que as origens da homossexualidade sejam complexas e que muitos casos desafiam explicações simples. Em relação às explicações psicológicas, sublinha-se a questão de que embora alguns fatos mostraram-se verdadeiros para alguns indivíduos, não serão para todos. Semelhante à homossexualidade, a instituição familiar também teve seus conceitos alterados no decorrer da história. A configuração familiar não foi sempre a mesma, ela está em constante processo de transformação. Segundo Friedrich Engels em seu livro ‘A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado’ num período de transição do estágio animal para o humano, cada mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a todas as mulheres, o que configurava o matrimônio por grupo. É fato que, nesse sistema de organização familiar, machos adultos não apresentavam sentimento de ciúmes e eram reciprocamente tolerantes, configurando a primeira condição para se manter grupos grandes e estáveis. Deste modo, os conceitos de ciúmes e incesto foram tardiamente desenvolvidos, surgiram através de novas concepções e idéias garantidas por novas culturas e religiões. A partir desse período, a família evoluiu sendo baseada em uma relação de poder paterno com submissão da mulher na Roma antiga e posteriormente foi definida por uma relação de amor e respeito entre o casal. Atualmente, a entrada da mulher no mercado de trabalho, as facilidades para a obtenção do divórcio e a independência maior da juventude são alguns fatores que contribuem para uma menor estabilidade da família. Isso não significa crise e sim mudanças nos conceitos sociais.

Dentro desse aspecto de família moderna, não mais a família é tida apenas como diz a Constituição Federal, que reconhece como entidade familiar à constituída pelo casamento civil; a derivada da relação estável entre o homem e a mulher e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos (artigo 226, §§ 1.º a 4.º da Constituição Federal e artigo 25 do Estatuto da Criança e do Adolescente). A família hoje é mais que isso. É fundamentada quando uma avó cuida de um neto órfão, quando dois irmãos se unem para viver após a perda dos pais, dentre outros exemplos, e nesse aspecto o casal homoafetivo também luta pelo reconhecimento de sua família. Mas quais são seus direitos ao desejarem fundar uma família e adotar filhos? Em alguns países já é reconhecido o matrimônio para casais homoafetivos como na Holanda, Suécia e Noruega e também a adoção de crianças por esses. Enquanto que países como a Grécia e a Irlanda não permitem judicialmente a união homossexual. Nos países islâmicos a postura é ainda mais radical, podendo receber pena de morte por apedrejamento os que praticam a homossexualidade.

No Brasil os atos homossexuais são permitidos desde 1830. O casamento depende da decisão do Supremo Tribunal Federal, embora exista uma lacuna na constituição e as recentes jurisprudências venham sendo a favor da adoção por duplas homoafetivas. A Constituição Brasileira dos Direitos Humanos diz que:

Artigo I: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”

Artigo II: “Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.”

Artigo VII: “Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.”: “1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução; 2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.” “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”

Artigo XXV: “2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.”

Baseado nesses direitos é de se concluir que a união entre pessoas do mesmo sexo e a adoção de uma criança pelos mesmos seja possível, embora constitucionalmente não haja nenhum artigo que expresse isso ou que expresse a proibição. A união homossexual é aceita no Brasil baseada no principio da união estável criada em 1988, além de para a configuração de uma entidade familiar atualmente não ser mais exigida, como elemento constitutivo, a existência de um casal heterossexual, com capacidade reprodutiva, pois dessas características não dispõem uma família monoparental. Se a capacidade procritativa não é essencial para que o relacionamento entre duas pessoas mereça a proteção legal, não se justifica deixar ao desabrigo do conceito de família a convivência entre pessoas do mesmo sexo. O centro de gravidade das relações de família situa-se atualmente na mútua assistência afetiva (affectio maritalis) e é perfeitamente possível encontrar tal núcleo afetivo em duplas homossexuais, erroneamente excluídas do texto constitucional.

Muitos dos que são contra a adoção por casais homossexuais argumentam sobre a influência que o casal terá sobre o desenvolvimento da escolha e visão sexual da criança. Embora isso tenha sentido, pode-se discordar desse argumento alegando o fato de que nem todas as crianças criadas por casais heterossexuais se tornam pessoas heterossexuais, e de que nem todos os filhos de casais homossexuais têm a mesma opção de seus pais. Argumenta-se também sobre a lacuna criada pela ausência da figura paterna ou materna, entretanto muitas pessoas são criadas por pais ou mães solteiros, sem contar que muitas são criadas por irmãos, avós, além das crianças órfãs, e nenhuma dessas crianças necessariamente sofrem qualquer tipo de influência ou debilitação na sua criação.

A preocupação com a influência dos pais homossexuais não deveria ser em relação à orientação sexual da criança, e sim em relação ao caráter, aos princípios e a honestidade. E não apenas com crianças adotadas por duplas homoafetivas, mas todas as crianças, adotadas ou não. Limitar nossa preocupação apenas atentando a detalhes fundados em preconceitos e baseados em imposições religiosas é um erro. Se invertermos a situação e nos basearmos em uma suposta sociedade homossexual, seria nociva a influência que um casal heterossexual teria sobre um filho? Há muitas propostas e idéias para se pensar. Cabe a todos refletirmos sobre o tema, formular opiniões e questionamentos para que encontremos respostas e estas sejam aplicadas no exercício da lei.

Daniel Sugohara, Francisco Aidar Queiroz, Gabriela Santos Tibúrcio, Henrique Kendi Nakamura, Paula Natalia Santa Rosa, Priscilla Tominaga Higa – Segundo ano de Ciências BIológicas







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