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ARTIGOS: Evolução




A Importância do Darwinismo no Ensino de Evolução

O jovem adolescente não se agüentava de felicidade, pois além de ter sido aprovado em um vestibular concorrido, moraria fora de casa durante a sua graduação e, melhor ainda, entraria em contato com a disciplina de Evolução, um de seus assuntos prediletos.

A primeira aula dessa disciplina é iniciada com o professor citando um pequeno parágrafo de um livro cuja capa estava encoberta. Após a leitura ele lança uma pergunta para a turma. Quem é o autor dessa frase? “Ah! Essa é fácil”, pensa o jovem! E junto com diversos colegas, dispara: “Lamarck!”. Em seguida, é mostrada a capa e o título surge: A Origem das Espécies! Essa é a primeira surpresa daquele dia. Como se não bastasse, em seguida o rapaz é novamente surpreendido quando o docente diz: Darwin era lamarckista! “Como isso é possível?”, pensa o calouro. Essas duas surpresas foram suficientes para fazer com que as “certezas” do jovem graduando desmoronassem, e um misto de incredulidade e perplexidade tomou conta do rapaz.

Em seguida, ainda sob o ruído dos “cochichos” e comentários de todos os estudantes presentes, vieram as explicações que, muito resumidamente, contavam o fato de Darwin ter adotado as explicações de Lamarck: uso e desuso e transmissão dos caracteres adquiridos, para explicar a fonte de variabilidade e a sua transmissão aos descendentes.

Utilizo essa pequena história para mostrar como o darwinismo é abordado no ensino de evolução durante o ensino médio. O fato de o jovem e seus colegas terem sido surpreendidos com a “novidade” de que Darwin fez uso de idéias que foram ensinadas como sendo lamarckistas é uma clara evidência de que o darwinismo é transmitido de uma forma que acaba por influenciar negativamente o entendimento da teoria levantada por Darwin, uma vez que esta não é apresentada como concebida pelo autor.

Pode-se argumentar que esse fato ocorreu há vários anos e que, hoje, isso pode ter mudado. Mas a realidade mostra que não houve mudanças significativas. O jovem que se surpreendeu ontem é hoje professor na rede pública de ensino e recebeu outra surpresa quando em conversas informais com colegas professores de Biologia, estes lhe contaram que apresentam o tema Evolução apenas citando as diferenças entre os pensamentos de Lamarck e Darwin e, em seguida o Neodarwinismo, ou a Teoria Sintética da Evolução, por falta de tempo e/ou por apenas essas teorias serem abordadas nos livros didáticos.

Esses fatos nos levam a entender que a abordagem sobre evolução fica restrita a uma espécie de “duelo” de idéias, entre Lamarck e Darwin, e em seguida cita-se a Teoria Sintética da Evolução como a explicação mais completa, por incorporar os conhecimentos da genética e, por isso a mais aceita atualmente.

Em relação ao “darwinismo”, nome pelo qual ficou conhecida a teoria elaborada por Charles Darwin, e de forma independente por Alfred Russel Wallace é concebível que após 150 anos “embora confirmada em sua quase totalidade e em sua essência, ela já tenha sido alterada em alguns aspectos e corrigida em outros”, como expõe Fábio de Melo Sene em seu livro Cada caso, um caso... Puro Acaso, de 2009. Mas esse fato não a invalida, mas sim torna necessário o entendimento das idéias contidas em sua obra para que possa ser entendida a extensão de sua teoria.

A “teoria darwinista da evolução” é um conjunto de cinco teorias que estão inter-relacionadas. De forma bastante resumida, tem-se que Darwin reuniu muitas evidências de que as espécies modificam-se no tempo, isto é, que a evolução ocorre (primeira teoria), e que cada nova espécie é originada a partir de outra pré-existente que por sua vez também se originou de outra num passado mais remoto, ou mais atual (segunda teoria), de tal forma que ao “olharmos” para o passado, poderemos “visualizar” os ancestrais das espécies atuais.

A terceira teoria explica que uma população possui indivíduos diferentes (variabilidade) e que os indivíduos com uma variação vantajosa, sobre as demais, podem tornar-se mais freqüentes e mudar a população inicial, o que a torna diferente de outras populações. Essas transformações são graduais, com pequenas mudanças se acumulando e originando as grandes transformações evolutivas (quarta teoria).

A seleção natural é a quinta teoria, também conhecida como “a sobrevivência do mais apto”, mas que se refere a um processo que seleciona os indivíduos mais adaptados às condições ambientais que estão em vigor e que deixam, em proporção, maior número de descendentes e, assim, contribuem com a formação da próxima geração.

Em seu artigo “Teaching evolutionary biology, de 2004” Tidon e Lewontin apontam que boa parte dos professores do ensino médio e fundamental de escolas de Brasília (DF) possuem concepções lamarckistas, tais como a evolução biológica ser direcionada, ser progressista e que ocorre em indivíduos e não em populações.

Embora a pesquisa tenha sido restrita ao Distrito Federal podemos admitir que a situação não seja muito diferente nas diversas cidades brasileiras, em razão da má formação dos professores, defasagem dos manuais didáticos, a escassez de materiais de divulgação científica, entre outras.

O ensino da evolução é de importância fundamental uma vez que esse tema possui um caráter integrador no ensino da Biologia, sendo essencial o correto entendimento dos processos evolutivos para permitir uma compreensão mais adequada de outros conceitos biológicos, como a diversidade dos seres vivos, por exemplo, que são explicitados nos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Assim, acreditamos configurar-se em um tema que deve e pode ser abordado com cuidado para que não sejam transmitidas concepções equivocadas ou distorcidas, e nem que ocorram determinadas omissões por conta da falta de tempo, ou do uso de uma simplificação da teoria com a intenção de “facilitar” o seu entendimento.

No entanto, para que isso ocorra é necessário que o professor de biologia complemente a sua formação inicial, sendo também importantíssimo o acesso ao livro “A Origem das Espécies” para que entre em contato com a idéia desenvolvida pelo seu autor e não acreditar apenas o que os livros didáticos citam. Igualmente, analisar como são abordados esses temas (“darwinismo” e “teoria da evolução”) nesses manuais e fazer as correções que se fizerem necessárias.

Dessa forma, entendemos que a melhor maneira de prestar uma homenagem a Charles Darwin é compreender o alcance de sua teoria em sua plenitude, e não resumi-la a poucos princípios. O que inclui entender porque Darwin era lamarckista.

Nicolau Mottola – pós-graduando em Educação, UNESP – Rio Claro







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