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ARTIGOS: Ecologia




Como a genética molecular auxilia a ecologia?

Estudos de genética molecular em populações de tayassuídeos podem ajudar a compreender melhor suas relações ecológicas, auxiliando na preservação das espécies.

No dia XX de março, a pesquisadora Cibele Biondo do Centro de Ciências Naturais e Humanas (CCNH) da Universidade Federal do ABC (UFABC), ministrou a palestra "Aplicação da genética molecular em estudos ecológicos e de conservação dos tayassuídeos".

Cibele estuda tayassuídeos da família Tayassuidae (um tipo de porco do mato) que se encontra dentro da ordem Cetartiodactyla dos mamíferos, suiformes. As três espécies mais estudadas dentro dessa família são os Taguá (Catagonus Wagneri), Queixada (Tayassu pecari) e o Cateto (Pecari tajacu). O Cateto possui a maior distribuição geográfica, comparada às outras duas espécies, presente em boa parte da América do Sul e Central. A queixada se encontra mais bem distribuída do Sul do México ao Brasil, já extinta em algumas regiões do Brasil e Argentina. O Taguá se distribui mais na região do Paraguai e Bolívia.

A alimentação do Taguá e dos Catetos é bem parecida, com frutos, raízes, sementes, folhas e pequenos animais, enquanto a queixada possui hábito alimentar mais frugívoro.

Os catetos se apresentam em bandos pequenos de até 25 indivíduos, com área de vida de 50 a 700 hectares, se movimentando em territórios estáveis. As queixadas já se apresentam em bandos grandes, com área de vida de 1500 a 20.000 hectares se movimentando a grandes distâncias, de 5 a 10 km/dia. Essa espécie apresenta um fenômeno peculiar denominado fissão- fusão, onde por certo tempo o bando se divide, isto está relacionado basicamente com a disponibilidade de alimento. O Taguá possui bandos pequenos, de um a 9 indivíduos, com área de vida de aproximadamente 1.000 hectares, e são extremamente territoriais.

O papel ecológico dessas três espécies se aplica na dispersão e predação de sementes, com o revolvimento do solo e danos às plântulas. A consequência disso é a regulação das populações (volume de indivíduos) de plantas dos locais habitados.

A queixada é considerada como engenheira de ecossistema, pois causa um impacto grande no ecossistema, especificamente nas plântulas. As principais ameaças para os tayssuídeos são a caça, perda de habitat e doenças adiquiridas por animais domésticos,a exemplo da expansão pecuária no complexo do Pantanal.

Segundo a IUCN (União Nacional para a Conservação da Natureza) o cateto se encontra abundante e suas populações estáveis. É considerado o tayssauídeo menos protegido da mata atlântica, sendo listado como quase ameaçado na Lista da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. A queixada é classificada pela IUCN como próximo de estar ameaçado, com populações em declínio. Populações do México e América Central estão ameaçadas em diferentes graus e já extintas em certas localidades, com populações em declínio na América do Sul. A queixada é considerada ameaçada de extinção na lista da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e do Estado de São Paulo. Foi classificada pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) como criticamente ameaçado na Mata Atlântica e ameaçada no Cerrado. É ainda classificada como espécie de paisagem, ou seja, ela se utiliza de grandes áreas com profundo impacto na estrutura e funcionalidade do ecossistema sendo bastante vulnerável às ameaças humanas. O taguá segundo a IUCN está ameaçado, com populações em declínio. Sua distribuição tem se tornado reduzida em todos os países onde ocorre, Paraguai, Bolívia e Argentina.

Em 1993 a IUCN realizou um plano de ação e viram assim a necessidade de solucionar o problema da falta de informação sobre a biologia dessas espécies fora dos EUA. Assim, foi necessário coletar dados da distribuição dos tayssuídeos e o status populacional, estudar a variabilidade genética dentro e entre as populações e estudar sua ecologia e comportamento.

A genética molecular tem muito a contribuir para a Ecologia e está diretamente relacionada à Conservação. Hoje os métodos de extração de DNA são menos invasivos, através de análise de pêlos, fezes, penas e etc. São utilizados também marcadores moleculares, que são sequências de DNA que apresentam variação, entre espécies, população e indivíduos. Eles nos ajudam a identificar espécies, populações, indivíduos e suas relações genéticas. Também se utilizam microssatélites, que são sequências curtas de 1 a 6 pares de base repetidos in tandem (em fila), distribuídos ao longo do genoma. A variação ocorre na unidade de repetição e a análise é feita por genotipagem. São marcadores bastante variáveis, por isso são muito utilizados em estudos de Ecologia, são adequados para identificação individual, parentesco e paternidade.

A aplicação da genética molecular nos estudos dos tayassuídeos está relacionada com o parentesco e as relações sociais entre eles. Mas os parentes se associam? Que tipo de relações eles têm entre eles? Em seu trabalho de doutorado, a pesquisadora Cibele Biondo estudou se os tayssuídeos são realmente parentes, através da análise dos genótipos e microssatélites dos indivíduos em questão. Estudou também o caso dos catetos (Pecari tajacu), se são realmente espécies sociais e cooperativas. Mas isso pode ser explicado por seleção de parentesco? A amostragem demonstrou tanto a fricção mútua (se esfregam para marcar o cheiro), como investigação olfativa e contato, a interação agonística (agressiva) e índice de proximidade espacial.

A genética molecular também pode indicar a seleção direta, onde o individuo produz prole e a seleção indireta, quando o indivíduo não se reproduz, mas ajuda a prole de parentes a sobreviver.

Como resultado houve uma correlação significativa entre o parentesco, as interações e a proximidade, sendo que o parentesco significou maiores interações amigáveis e menores parentesco, quando se tratava de proximidade. Não houve correlação com as interações agonísticas. Assim a pesquisadora pôde concluir que o parentesco é tido como fator promotor de interação social e coesão (juntos em bando).

As ferramentas moleculares permitiram uma revolução na área do acasalamento, pois muitas das perguntas ainda não tinham sido respondidas, como exemplo, se os padrões observados na psicologia comportamental correspondia aos padrões observados genéticamente, se as cópulas observadas resultavam em fertilização e se o sistema de acasalamento social estava relacionado com o acasalamento genético. As ferramentas genéticas permitem que seja confirmado ou não o que foi visto em laboratório.

O sistema de acasalamento em Catetos foi testado através de microssatélites, testes de paternidade e maternidade para todos os jovens amostrados em cada bando. Observou-se grande porcentagem de bandos multi-macho, em que a paternidade dos filhotes foi atribuída a mais de um macho (83%), indicando assim um sistema de promiscuidade.

A dispersão de um dos sexos também pode ser definida pela genética molecular. Estudos mostraram que membros de um dos sexos dispersam, enquanto que os do sexo oposto permanecem no local natal. Nos mamíferos ocorrem sistemas de acasalamento poligínicos, com competição de machos por fêmeas, e fêmeas com maiores custos na reprodução. Geralmente os machos dispersam, enquanto as fêmeas são filopátricas.

Para a dispersão, estudos mostram que a competição por parceiros induz à dispersão de machos, mas só se a competição por recursos não for suficiente para induzir à dispersão de fêmeas. Em queixadas, a razão sexual é desviada para as fêmeas, ou seja, se há um aumento da competição entre elas aumenta a dispersão, se há o relaxamento da competição entre machos ocorre menor dispersão. A dispersão de ambos os sexos seria resultante de um balanço entre os sexos na intensidade das pressões sexo-específicas para dispersar.

Quanto a tamanho populacional e diversidade genética, a perda de diversidade genética diminui a habilidade para evoluir, assim populações pequenas ou em declínios são mais propensas à extinção.

Para a estimativa do tamanho populacional e diversidade genética estudos mostram que é possível determinar os status populacionais, sendo importante para embasar ações de manejo e conservação, porém há certa dificuldade de estimar o tamanho populacional de mamíferos elusivos por meio de métodos tradicionais, sendo a amostragem genética não invasiva uma alternativa.

Para a estrutura populacional e a diversidade genética em Queixadas os estudos levaram a algumas recomendações para conservação. As duas localidades devem ser manejadas como uma única população. Devem ser mantidas áreas ripárias, que funcionam como corredores (ligações que permitem o trânsito entre regiões ecológicas) para as Queixadas.

Como vimos, a ferramenta molecular além de solucionar algumas questões não resolvidas, ajuda na conservação das espécies refletindo assim em todo o ecossistema.

Fernanda Leite de Alcântara







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