Desde tempos remotos há na humanidade um grande fascínio sobre questões como a origem da vida e a possibilidade de existência de outros mundos e de vida extraterrestre. Por longo tempo esses temas foram abordados de maneira filosófica ou em contextos religiosos. Nos últimos anos, a astrobiologia assumiu a responsabilidade de trabalhar tais assuntos de maneira integrada, utilizando recentes avanços científicos e tecnológicos. Essa área de pesquisa se propõe a estudar a vida em todo o Universo sob a perspectiva da evolução biológica terrestre, tentando responder a algumas das questões mais fundamentais já formuladas pelo Homo sapiens: O que é vida e como a definimos? Como ela começa e evolui? Existe vida fora da Terra? Caso a resposta seja afirmativa, há maneiras de detectá-la?
Do ponto de vista histórico, já na Grécia antiga Epicuro (341–270 a.C) escreveu sobre a questão da vida em outros planetas, enquanto Aristóteles (384 – 322 a.C) formulou uma teoria para explicar a origem de vida na Terra, baseado nos assim denominados "elementos fundamentais da matéria" e na observação da natureza. No entanto, é difícil determinar com precisão o primeiro uso do termo astrobiologia, que pode se confundir com usos pseudocientíficos como os da ufologia. De acordo com Janet Morrison, primeira curadora dos arquivos do Instituto de Astrobiologia da NASA (sigla em inglês para Agência Espacial Norte-Americana), a primeira referência registrada ao nome astrobiologia é de Lawrence Lafleur em 1941. A conceituação moderna do termo apoia-se nos programas de exobiologia criados durante a corrida espacial entre EUA e União Soviética, no contexto da Guerra Fria (1945–1991). Firmemente embasados nos avanços da tecnologia aeroespacial, permitiram pela primeira vez investigar in situ a possibilidade de vida fora da Terra, através do lançamento de sondas para Vênus e Marte e missões tripuladas para a Lua.
Após a interrupção das alunissagens e a impossibilidade de se obter qualquer evidência de vida marciana a partir do material enviado pelas sondas Viking, o interesse em relação à astrobiologia só foi reavivado em 1996, com o anúncio de possíveis fósseis marcianos no meteorito ALH84001 e descoberta de exoplanetas (planetas que orbitam uma estrela que não o Sol). A despeito do descrédito de parte da comunidade acadêmica, dois anos depois a NASA criou o seu Instituto de Astrobiologia, que congrega universidades e centros de pesquisa norte-americanos, promovendo pesquisa e educação em temas que cobrem a origem e evolução da vida na Terra e no universo. Atualmente, diversos centros de pesquisa semelhantes estão espalhados na Europa, Ásia, Austrália e América, como o Instituto de Astrobiologia da Colômbia (IAC) e o Laboratório de Astrobiologia no Brasil, mantido pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP).
O que a biosfera terrestre nos ensina
Para a detecção da presença de vida fora da Terra são usados marcadores conhecidos como bioassinaturas, que podem ser qualquer objeto, substância e/ou padrão cuja origem requer um agente biológico, não havendo rotas abióticas para a sua síntese. Há dois caminhos para a busca dessas bioassinaturas: 1) in situ (por exemplo, com retorno de amostras a partir de missões espaciais tripuladas ou não); e 2) análises espectrais de atmosferas planetárias para evidências de alterações químicas causadas pela vida. Há também defensores da busca por evidências de tecnologia extraterrestre, como os proponentes do projeto SETI (do inglês para Busca de Inteligência Extraterrestre).
O conhecimento atual ainda não permite um consenso sobre quais seriam os melhores candidatos a bioassinaturas. De forma pragmática, essa busca usa como modelo de organismo vivo os microrganismos extremófilos terrestres e seus subprodutos metabólicos, os quais estão presentes em praticamente todos os ambientes terrestres inóspitos, do fundo dos mares à estratosfera, muitas vezes análogos a ambientes extraterrestres. Buscar a "vida como a conhecemos" obviamente limita os tipos de organismos que podem ser encontrados (bioquímicas exóticas seriam excluídas), mas essa é a única maneira factível de desenvolver esse tipo de pesquisa. É importante ressaltar que existem pesquisas relacionadas com bioquímicas alternativas e formas de vida "exóticas". Alguns pesquisadores levantam mesmo a hipótese de existência de organismos vivos na própria Terra que utilizaram vias metabólicas diferentes das usuais e passariam despercebidos nos estudos de biodiversidade e biodetectabilidade. Os organismos dessa biosfera oculta poderiam produzir bioassinaturas incomuns, cujo reconhecimento teria implicações diretas para o estudo de bioassinaturas no contexto astrobiológico.
Estudar exemplos de vida na Terra é fundamental para a construção de cenários de vida extraterrestre. A existência de organismos terrestres vivendo em ambientes extremos amplia a gama de corpos celestes que podem abrigar vida ou tê-la abrigado no passado, desde que consigamos identificar neles condições análogas às da Terra. Fica claro que para se entender as questões astrobiológicas fundamentais faz-se necessário compreender muito bem a origem, evolução e diversificação da vida na Terra. Todo biólogo, portanto, tem um pouco de astrobiólogo..
.
O caráter intrinsecamente multidisciplinar da astrobiologia torna difícil definir o corpo de conhecimentos que ela abrange. Isso é esperado de uma área de pesquisa jovem, que não nasceu para explicar uma descoberta particular (como a microbiologia, desenvolvida para esclarecer observações feitas nos primeiros microscópios), mas que é fruto de distintas disciplinas científicas inter-relacionadas. A despeito dessas dificuldades, as implicações de se encontrar vida extraterrestre seriam inegavelmente profundas, seja na filosofia, na religião, na metafísica ou nas ciências naturais humanas.
Existe ciência sem um objeto de estudo?
Em uma área de pesquisa emergente, devemos assegurar sua cientificidade dentro dos limites possíveis. Não é trivial definir o que é e o que não é legítimo na investigação científica. Pode-se questionar se a astrobiologia é de fato uma ciência, uma vez que ela não tem um objeto de estudo definido – ainda não foi encontrada evidência incontestável de vida extraterrestre –, o que não diminui em nada a importância da sua busca e dos questionamentos filosóficos / empíricos que ela levanta.
Para o filósofo austríaco Karl Popper, apenas as hipótese falseáveis com base em evidências ou observações deveriam ser tratadas como parte do domínio das ciências. Se uma proposição não pudesse ser falseada, por não ter base empírica ou não fazer previsões, ela não seria científica. O falseacionismo popperiano tem valor para a delimitação de ciência e pseudociência, mas é uma posição ingênua e muito pouco válida para ciências históricas como a biologia. O estudo da evolução preocupa-se com cenários pretéritos e não faz estimativas sobre o porvir; sendo assim, a evolução não seria um objeto para o estudo científico. A despeito de o próprio Popper ter relativizado seu critério de demarcação para incluir as ciências ditas históricas, biólogos não precisam se preocupar pois estamos fazendo ciência, e das mais complexas! O que buscamos é a congruência: diferentes corpos de evidência sugerindo histórias semelhantes aumentam o poder explanatório das nossas hipóteses. Não devemos nos pautar apenas pela falseabilidade popperiana, uma vez que o que nos interessa é construir cenários fidedignos e confiáveis sobre a história evolutiva baseados no máximo possível de evidências e hipóteses congruentes.
Dentro da perspectiva discutida acima, a astrobiologia de fato possui um objeto de estudo. Uma vez que ela parte da perspectiva de que a vida deva ser tratada como um fenômeno cósmico, levando em conta não apenas as interações dos organismos vivos entre si, mas também com o planeta e com outros corpos celestes e eventos astrofísicos, podemos dizer que a vida terrestre é por si um objeto de pesquisa astrobiológico. A visão moderna da astrobiologia abrange não apenas a busca de vida fora do nosso planeta, mas a compreensão do fenômeno da vida no universo como um todo. A exploração de nosso próprio planeta é, portanto, fundamental, a despeito de quaisquer rótulos que coloquemos nas áreas de pesquisa (não existe física, química, biologia ou astrobiologia independentes da percepção humana, existe apenas a natureza e seus processos intrínsecos relacionados).
Perspectivas
A principal ferramenta usada pela astrobiologia é a abordagem multi e interdisciplinar. As questões tratadas dificilmente seriam resolvidas por especialistas isolados. Essa necessidade de um esforço integrado vai obviamente contra o processo de especialização e compartimentalização adotados no meio acadêmico nos últimos séculos, e talvez seja a principal força e contribuição que a pesquisa astrobiológica pode trazer para a academia, a educação e a sociedade como um todo.
Em temas como a origem, evolução e distribuição da vida na Terra e no universo, utilizar objetos da biologia, física, química, astronomia e filosofia é prática imprescindível, uma vez que o mundo natural não pode ser explicado por um único mecanismo ou linguagem e sim pela dinâmica emergente oriunda da colaboração de distintas áreas, que nada mais são do que divisões sistemáticas que os limites de comunicação dentro de nossa própria espécie impõem.
A procura incessante por uma conexão íntima entre a origem da vida terrestre e o restante do cosmo pode ser o início de uma teoria geral da Biologia, uma estrutura de conceitos que sustentaria o desenvolvimento da vida onde quer que ela exista, algo próximo de um evolucionismo universal. Essa conexão cósmica poderia ajudar a explicar alguns dos problemas básicos da nossa Biologia e também sugeriria que outras formas de vida no universo compartilhariam muito da mesma base química. O fato de sistemas biológicos complexos se auto-organizarem com base nas propriedades físicas intrínsecas a esses próprios sistemas, quando aplicado a estudos evolutivos, poderia, por exemplo, indicar que se existe vida no universo além da terrestre, ela seguiria ao menos parte dos caminhos evolutivos que aqui ocorreram, dado que as propriedades físicas das moléculas são as mesmas em qualquer lugar.
Obviamente temos que ser humildes ao descrever as possibilidades de vida fora da Terra, pois dificilmente chegaremos a responder in toto quais são as condições para a vida no universo. Nosso próprio planeta ainda nos é desconhecido. A astrobiologia discute se podemos extrapolar para outros corpos celestes as condições que reconhecemos como essenciais para a existência de vida. Ela não vai ser capaz de dizer, de forma peremptória, como aparece a vida em qualquer parte do cosmo, mas vai criar métodos e técnicas para saber se, fora da Terra, existem formas de vida concebíveis pela nossa espécie.
Essa tentativa de extrapolar a nossa biologia para o resto do universo é extraordinariamente válida e interessante, com implicações sociais e filosóficas gigantescas. A astrobiologia nos permite ter a dimensão exata da nossa ignorância e da nossa condição diminuta frente ao universo. Aqui valem as palavras de físico vencedor do prêmio Nobel Richard Feynman, em sua clássica obra O significado de tudo: "A imaginação da natureza é muito, muito maior que a imaginação do homem. Todos que não tiverem ao menos uma ideia vaga dessa observação não poderão nem imaginar quão maravilhosa a natureza é".