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ARTIGOS: História antiga, mitologia, arqueologia




A ciência por trás do Oráculo dos Delfos

Nos subterrâneos do templo de Apolo, localizado na paisagem montanhosa dos Delfos, encontrava-se um importante local religioso da Grécia conhecido como O Oráculo Dos Delfos. Entre os séculos 8 a.C. e 2 a.C. , este local era visitado por cidadãos para todo tipo de previsões, consultas ou orientações e estas eram enviadas pelo deus Apolo por meio de uma Pitonisa.

A Pitonisa era uma mulher devidamente preparada para esta tarefa, sua posição de sacerdotisa não era herdada por vínculos familiares e poderia pertencer a qualquer classe social, assim, depois de escolhida, passava por um intenso treinamento (que poderia incluir jejum e abstinência sexual), assistido pela Congregação das mulheres dos Delfos, que zelavam pelo eterno fogo do templo. Quando o visitante se aproximava do Oráculo, ele se purificava em uma fonte de água e seguia para o local onde a Sacerdotisa fazia as profecias, auxiliada por vários Sacerdotes. Segundo a mitologia Grega, o local pertencia a Gaia (divindade que representa a Terra) e era guardado pela serpente Píton (sua filha). O deus Apolo, por ter matado a Serpente, assumiu o controle do local. A Serpente morta caiu então na fenda e entrando em decomposição, passou a emitir vapores tóxicos.

Historiadores como Plínio e Diodoro, filósofos como Platão e alguns poetas, além do Geógrafo Estrabão, atribuíam os poderes do oráculo a fenômenos geológicos. Uma fenda no centro do Templo emanaria gases alucinógenos que permitiriam o transe da Pitonisa e assim as revelações de Apolo. Segundo Plutarco, o pneuma era apenas um elemento que desencadeava o processo e era indispensável o treinamento da Sacerdotisa, pois se outra pessoa inalasse o gás, nada aconteceria. Além disso, Plutarco também relatou algumas características físicas do gás como seu cheiro, semelhante a um perfume.

A questão dos Delfos intrigou cientistas por muitos séculos depois. Foi então que em 1900, um especialista em História Clássica, Adolphe Paul Oppé visitou escavações nos Delfos. Não encontrando qualquer fenda, publicou um influente artigo em que contrapunha as descrições de Plutarco afirmando que não existia nenhuma fenda e que mesmo que existisse, nenhum gás natural seria capaz de produzir o estado de transe descrito. O artigo de Oppé então, passou a ser a nova ortodoxia do mundo acadêmico. Teatro de Delfos - Grécia

A história mudou quando em 1980, as Nações Unidas conduziram uma pesquisa em que o geólogo De Boer observou superfícies de falhas expostas do santuário. Mais de dez anos depois, De Boer encontrou com o arqueólogo Hale em um parque arqueológico de Portugal e convenceu Hale de sua teoria de como as falhas poderiam conduzir os gases até a superfície e suas referências dos autores clássicos. Os dois, então, resolveram montar uma expedição para explorar melhor o local.

Outros estudos foram realizados em 1996 em que as fundações do templo feita pelos arqueólogos franceses foram examinadas. Durante a primeira exploração, foi localizada a falha dos Delfos (linha leste-oeste da falha principal). Posteriormente foi descoberta uma segunda falha que a cruzava no local do oráculo, a falha de Kerna. Nesse mesmo ano, a equipe arqueológica de Michael D. Higgins publicou o livro Geological Companion to Greece and the Aegean, no qual afirmava que havia realmente uma falha abrupta que poderia emitir gases tóxicos e que não havia, portanto, nenhuma razão geológica para rejeitar a tradição.

No entanto, a presença das falhas não explica a possível emissão de gases tóxicos no passado. Foi então que uma meticulosa pesquisa geológica resolveu os enigmas. De Boer sabia que geólogos estavam analisando gases que formavam bolhas ao longo de falhas submersas no Golfo do México. Essas falhas localizadas em uma área de calcário betuminoso estariam produzindo gases leves de hidrocarboneto (metano e etano) e então se cogitou a possibilidade de que o mesmo poderia ter acontecido nos Delfos.

Para investigar a nova indagação, o químico Chanton juntou-se à equipe. Nas amostras de calcário coletadas da fonte de Kerna, ele encontrou produtos da decomposição do etileno como metano e etano. Como o etileno possui um aroma agradável, esse fato parecia se apoiar na descrição antiga de que os vapores tóxicos possuíam o aroma de um delicado perfume. Ainda assim, restava descobrir a causa dos efeitos alucinógenos que afetavam as pitonisas promovendo o transe. O toxicólogo Spiller então, integrou o projeto a fim de esclarecer esse impasse.

Spiller, que trabalhava com adolescentes usuários de drogas, descobriu vários paralelos entre o estado de transe das pitonisas e o relato dos jovens que ficavam agitados ao inalar substâncias como cola e tíner, os quais contêm gases leves de hidrocarbonetos. Além disso, estudos realizados há cinqüenta anos por Isabella Herb (pioneira em anestesia), descreveu que uma mistura de 20% de etileno causava um estado de inconsciência e concentrações mais baixas que essa levava a um estado de transe. Essa condição consistia em um estado consciente em que a pessoa era capaz de sentar e responder perguntas, experimentava sensações de euforia e tinha amnésia após passado o efeito do gás. O mais intrigante de tudo isso é que este estado de transe descrito pela cientista bate totalmente com o estado de transe das pitonisas descrita por Plutarco.

Há séculos, lendas clássicas tem despertado a curiosidade dos cientistas, que resolveram tentar desmistificar e entender melhor o que se passava em outras épocas. Os motivos que levaram povos antigos a criar tais histórias são por vezes confusos e de pouco conhecimento nosso: seriam apenas contos? Há muito ainda o que se descobrir e o trabalho conjunto de especialistas de diferentes áreas pode nos ajudar a esclarecer, mesmo que aos poucos, os mitos e as verdades que até então nos parecem tão incertos e obscuros.

Isabella Bueno - Jornal Biosferas







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