Jornal Biosferas

Brand


ARTIGOS: Biologia Molecular




Biologia molecular: o movimento de contração muscular e a importância do cálcio

O cálcio está presente em alimentos de consumo diário, como o feijão, iogurte, leite, queijo cheddar, vegetais e é um mineral muito importante para saúde. No corpo humano, a maior parte dele (99%) está nos ossos e o restante está livre no soro, que é a porção do sangue que não tem células ou elementos responsáveis pela coagulação. Sua importância abrange desde o metabolismo intracelular até o crescimento de ossos, a coagulação sanguínea, a condução nervosa, as funções cardíacas e a contração muscular. A falta de cálcio no organismo ou sua presença no lugar, no momento e em concentrações erradas, pode acarretar em problema. Tomaremos como exemplo a contração muscular.

Há diferentes tipos de músculos no nosso corpo, como o estriado cardíaco (presente no coração e cujas contrações são responsáveis pelo movimento do sangue) ou o músculo liso (que está presente, por exemplo, no revestimento de nossos vasos sanguíneos). No entanto, daremos um enfoque especial para um terceiro tipo, o músculo estriado esquelético.

Os movimentos das pernas enquanto jogamos futebol, bem como das mãos do autor deste texto (enquanto escrevia a matéria), ocorrem devido à contração realizada por músculos esqueléticos: ela é constantemente controlada por nossa vontade, ou seja, realizamos a contração de forma voluntária. Estes músculos são também denominados estriados, por apresentarem estruturas repetitivas denominadas sarcômeros, compostos de filamentos de actina e miosina nos quais a contração muscular ocorre. Durante este processo, a presença do cálcio é essencial, mas antes de percebermos como ele é importante vamos entender o processo de contração muscular.

No músculo estriado esquelético, a contração se dá pela interação entre os dois filamentos de proteínas nos sarcômeros (actina e a miosina). A cabeça da miosina empurra os filamentos de actina, gerando a contração muscular. Em condições de relaxamento, ou seja, enquanto o músculo está descontraído, este ponto de conexão entre os filamentos está ocupado por uma terceira proteína denominada tropomiosina, que envolve filamentos de actina. Assim, para uma contração ocorrer, a tropomiosina deve liberar o ponto de ligação entre a actina e a miosina. Além disso, a cabeça da miosina deve apresentar um movimento para atingir o filamento de actina, e realizar o “empurrão”. Resumindo: duas ações conjuntas são necessárias para a contração muscular: a) movimentação da cabeça da miosina para atingir a actina; b) liberação deste ponto de ligação no filamento de actina, que está, em condições de relaxamento muscular, ocupado por tropomiosina.

Para a movimentação da cabeça da miosina ocorrer, é necessário hidrolisar ATP (adenosina trifosfato, uma molécula de transferência de energia da célula) geralmente ligada à miosina; esta hidrólise consiste na “quebra” de uma molécula de ATP em ADP (adenosina difosfato) e P (fosfato inorgânico; ATP -> ADP + P); Ciclos de “empurrões” da actina pela miosina consistem, portanto de: hidrólise de ATP e consequente movimentação da cabeça da miosina e ligação à actina, liberação de ADP e P na célula (cabeça da miosina permanece ligada à actina), ligação de uma nova molécula de ATP à miosina (que acarreta a mudança na cabeça da miosina para sua forma original; ou seja, distante do filamento de actina) e a liberação da ponte entre miosina e actina volta à condição original.

Onde o cálcio entra nessa história? Ele encontra-se armazenado em organelas das fibras musculares denominadas retículos sarcoplasmáticos e, para o movimento descrito acima ocorrer, lembremo-nos que o “ponto” (ou sítio) no filamento de actina, onde a cabeça da miosina irá se ligar durante a contração muscular, deve estar livre. No entanto, em condições normais, duas proteínas regulatórias, a troponina e a tropomiosina, bloqueiam este local de interação. A contração somente será possível caso íons de cálcio (Ca2+) sejam exportados dos retículos sarcoplasmáticos e façam uma ligação a troponina, sendo que esta movimenta os filamentos de tropomiosina, desbloqueando os sítios de ligação entre actina e miosina.

Em condições normais, as concentrações de cálcio em uma célula muscular não contraída são controladas adequadamente (manutenção do retículo sarcoplasmático); do mesmo modo, no momento da contração muscular, a quantidade adequada de cálcio deve ser liberada para permitir, então, a interação entre actina e miosina. No entanto, isso nem sempre acontece. Nos casos de doenças musculares, também denominadas miopatias, geralmente há interferência na concentração de cálcio.

Algumas destas doenças são hereditárias e podem se manifestar em situações específicas. Um exemplo disso é a doença chamada Hipertermia Maligna e está relacionada com o controle da saída de íons Ca2+ do retículo sarcoplasmático (liberação para o cito sol, onde estão localizados os sarcômeros) durante os ciclos de contração muscular. Uma mutação no gene que codifica (lembre-se do dogma central: DNA -> RNA -> proteína) este receptor, o RyR, pode causar uma liberação excessiva do íon, como reação ao uso de relaxantes musculares ou à aplicação de anestésicos, ou seja, se há descontrole da concentração de cálcio e esta permanece alta no citoplasma da célula, a contração é constante e não há relaxamento (rigidez muscular é mantida). Uma das consequências é o aumento da temperatura corporal e a mortalidade ocorre em grande parte dos casos (mais de 70%).

Outro exemplo é a mutação no gene SERCA, que codifica outra proteína localizada na membrana do retículo sarcoplasmático (ATPase Ca2+), responsável pela remoção de íons Ca2+ antes e durante a contração muscular. Como consequência, a pessoa pode ter câimbras, enrijecimento muscular e dor. É importante lembrar que as causas de câimbras podem não ser apenas genéticas; há casos em que a falta sais minerais na dieta, entre eles o cálcio, também as acarreta.

Os íons Ca2+ atuam na Biologia Molecular, cujos componentes são invisíveis aos nossos olhos (actina, miosina, troponina, tropomiosina, receptores em sarcômeros, quantos nomes!). Como tudo isso ocorre simultaneamente para um tecido muscular completo trabalhar é impressionante; exige-se a atuação sincronizada de todos os sarcômeros, receptores que, por sua vez, controlam a concentração de diversos íons (nessa matéria, enfatizamos o cálcio). No momento de contração muscular, um sinal químico (neurotransmissor chamado acetilcolina) chega através de uma célula nervosa (neurônio motor) nas fibras musculares, que apresentam diversos receptores de acetilcolina. Este sinal “avisa” quimicamente que a célula deve ativar canais de íons e o transporte de íons gera uma corrente elétrica; e não apenas uma, mas todas as células no tecido ativam os receptores dos retículos sarcoplasmáticos. Estas fibras são conjuntos de células musculares que, por sua vez, apresentam muitos sarcômeros (cada um com diversos filamentos de actina e miosina que irão interagir para realizar a contração muscular); vejam: células são microscópicas, mas a movimentação de um tecido muscular inteiro acontece através da contração conjunta de todas as fibras, com suas células e seus sarcômeros.

Desta forma, embora atue no nível “invisível aos nossos olhos” (o da Biologia Molecular e da Bioquímica), o cálcio é importante para todo o sistema e descuidos na alimentação, ou uma mutação indesejada, pode acarretar em danos muitas vezes irreparáveis no organismo. Assim, já que ainda é difícil evitar uma mutação ou doença hereditária, cuide bem de sua alimentação e supra o Cálcio necessário para este sistema complexo.

Para saber mais:



Nature Scitable
Myopathies
Myosin
Câimbra
Hipertermia Maligna

Renato Augusto Corrêa dos Santos







Nos encontre nas redes sociais: