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Inclusão de surdos nas escolas, um desafio ou uma solução?

Quando falamos em políticas públicas, a situação para os surdos é mais complicada que para os cegos. Parecemos fazer de tudo para que os surdos ouçam, através de implantes ou aparelhos auditivos, mas ninguém tenta "obrigar" um cego a enxergar. A sociedade vem tratando a surdez como doença e a cegueira como condição. Assim, as medidas de acessibilidade voltada aos surdos acabam fracassando, ou sendo encaradas como segunda opção, resultando em leis de consolo.

O primeiro lugar onde se aplicaram leis de acessibilidade (criada em 2001) para portadores de surdez foram as universidades. As comissões verificadores do MEC averiguavam as instituições de ensino e, se não se adequavam à lei, deviam passar por padronização para que seus cursos fossem reconhecidos.

Atualmente, temos uma política de inclusão social muitas vezes ineficaz, mas que leva alguns alunos especiais às universidades. Se encararmos como uma questão biológica e não social, um aluno especial possui plena capacidade de alcançar a universidade. No entanto, o ensino público nas séries inicias não dá base necessária a isso.

O primeiro registro da linguagem dos "surdo-mudos" (libras) ocorreu em um grupo isolado, na França. Essa manifestação linguística veio com o objetivo de catequizar essas pessoas, sendo criada a primeira escola para surdos. Após sua incorporação como língua oficial, sua difusão pelo mundo também a levou a ter dialetos particulares, como qualquer outra língua. Contudo, surdos desenvolvem mais gestualidade que ouvintes, se adaptando a situações com interlocutores de outras línguas gestuais. Isso acaba por "universalizar" o idioma.

Em 2002 foi elaborada a "lei libras", que a aprovava como língua oficial para comunicação de surdos no Brasil e dava garantia a qualquer pessoa com necessidades especiais de ser atendida neste idioma em repartições públicas. O ensino de libras se tornou obrigatório para as licenciaturas somente em 2005, mas esta prática ainda não é efetiva. Legalmente, nas escolas que acolhem alunos surdos, as aulas deveriam ser ministradas por professores bilíngues, mas o que se encontra são professores utilizando linguagem oral acompanhados por intérpretes. Para a criança pequena isso é péssimo, pois compromete muito sua construção linguística.

Há diferença entre percepção auditiva e discriminação auditiva. Muitos surdos conseguem perceber o som, mas têm dificuldade em discriminá-lo, o que leva a problemas na aprendizagem. No início, esse ensino se dá de modo "forçado", de maneira que os surdos tenham que aprender a falar e escrever; somente depois de sucessivos fracassos é que se investia no ensino da linguagem dos surdos. A aprendizagem se restringe a decorar e a discriminação das palavras é praticamente nula..

A pessoa surda não tem a mesma percepção de mundo que a pessoa ouvinte, pois acaba desconectada de boa parte das esferas de informação a que estamos acostumados. Conversam menos com os pais e amigos desde crianças, e acabam por não formar conceitos básicos de cronicidade ou sobrenomes, por exemplo. Ainda, muitas palavras não possuem sinais. Isso ocorre porque aos surdos é indiretamente negada a oportunidade de alcançar diversos espaços da produção de conhecimento, onde, por falta de necessidade, muitos termos não possuem sua versão em libras.

O aluno surdo deve ser tratado como um aluno que tem dificuldades de aprendizagem normais. Quanto mais cedo se incorpora a linguagem de sinais à criança (no lugar de insistir em tentar "forçá-la" a ouvir), mais fácil e rapidamente ela passará a compreender o mundo à sua volta. Uma aula voltada a esse aluno, além da multidisciplinaridade, deve contar com bom preparo e aparatos visuais. Isso, em outras palavras, quer dizer que não há necessidade de tratá-lo com diferença ou tentar adaptá-lo à aula, mas sim de adaptar a aula de modo que ela se torne também compreensível a ele. Se pretendemos trabalhar com a surdez e obter resultados positivos, o primeiro passo é não encará-la como doença ou "condição", mas sim uma relação biológica diferenciada que não deve ser entendida como tabu, e sim como biodiversidade.

Fernanda Leite Alcântara, Jornal Biosferas







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