Jornal Biosferas

Brand


ED. ESPECIAL 2012: A Biologia como Ciência e a Biologia como Profissão




Astrobiologia-Quando o horizonte é pouco, telescópios e microscópios atuam em conjunto

Quantas vezes, quando estamos sem solução para algum problema, já não lançamos nosso olhar às estrelas, como quem espera que a resposta venha dos céus? O que será que existe de tão profundo no céu noturno que nos prende a atenção com tanta frequência?

Observar o céu não é apenas um hábito prazeroso, nem privilégio dos pensadores. Boa parte do avanço da humanidade está relacionada a essas observações. A medição da passagem do tempo, das estações do ano, os calendários e, mais recentemente, a compreensão de fenômenos climáticos são apenas alguns exemplos de assuntos que ficaram mais claros quando passamos a mergulhar no que está longe de ser o "vazio" do céu noturno. É difícil demarcar, contudo, quando é que os estudos astronômicos começam a dialogar com a biologia. Talvez, desde seu início.

O girassol acompanha o movimento celeste da nossa estrela mais próxima. A maré alta, que abre as conchas das ostras e faz as anêmonas se expandirem, é reflexo dos movimentos lunares em relação à Terra. Alguns estudos sugerem que até mesmo o ciclo menstrual nos humanos pode estar relacionado ao mês lunar. São inúmeros os exemplos de ciclos naturais que acompanham movimentos dos corpos celestes.

Mas essa relação passou a ser mais intrínseca quando começamos a nos perguntar se estamos sozinhos no universo. Essa pergunta ainda não parece estar perto de ser respondida com evidências sólidas, mas as estimativas matemáticas nos são apresentadas com possibilidades tão grandes para que exista vida fora do nosso planeta que o desafio lançado aos cientistas deixou de ser campo de especulação para se tornar área de estudos sérios.

À medida que conhecemos melhor o universo, e o avanço da telescopia nos abriu novas dimensões desse cenário, as estimativas estatísticas passam a se aprimorar. A descoberta de mais de 300 planetas fora do sistema solar na última década levou o astrofísico escocês Duncan Forgan a estimar, em 2009, que existam 361 civilizações inteligentes em nossa galáxia (e possivelmente 38 mil fora dela). É evidente que se trata apenas de estimativas, e outros pesquisadores chegaram a números bastante diferentes (entre um milhão e menos de um planeta com vida inteligente), mas o fato é que quanto mais conhecemos o universo, menos fantasiosa parece essa possibilidade.

Em decorrência dessas observações e dos novos questionamentos que traziam, nasce, no século XX, a chamada Astrobiologia. Algumas variações são Exobiologia, Bioastronomia ou Xenobiologia. Apresenta-se uma nova proposta de estudo da vida, agora num contexto cósmico, onde procuraremos biosferas fora do nosso planeta – e que poderão ser muito diferentes da nossa.

Em 1960 a NASA fez seu primeiro programa de astrobiologia. Em 1976, o programa de exploração espacial Viking incluía três experimentos biológicos para busca de vida em Marte. Quase todos os projetos espaciais do século XXI incluem algum tipo de sondagem ou experimentação astrobiológica. Mas o projeto que certamente fez esse campo ser conhecido popularmente foi o SETI, de 1971.

O SETI (Search for Extra-Terrestrial Intelligence) analisa constantemente sinais de rádio captados por radiotelescópios na perspectiva de que, existindo alguma forma de inteligência fora da Terra, ela tentará se comunicar conosco através de ondas eletromagnéticas, pois é o modo de comunicação mais rápido hoje conhecido por nós, humanos. O mais interessante dentro deste programa é o "SETI Home", que permite que qualquer pessoa com um computador conectado à rede possa ceder parte do poder de processamento do próprio computador para o projeto, analisando pequenos trechos de ondas captadas pelas antenas. Ao final de 2005, toda essa rede conferia ao projeto a potência computacional de mais de 160 teraFLOPS (medida de desempenho de computadores, especificamente no campo de cálculos científicos). E o Brasil já é o 12º colocado mundial em número de participantes voluntários. Os fatores que movem este tipo de pesquisa são muitos. Entre eles, a possibilidade de entender melhor os caminhos que a vida na Terra pode tomar, um lugar para onde fugir no caso de uma grave catástrofe natural (ou esgotamento de recursos), encontrar uma nova forma de vida inteligente e a partir dessa interação mudar o curso de nossa própria evolução, entre outros.

Mas como, afinal, é que se busca vida em outro planeta, se não sabemos como ela será constituída? É justamente esse o maior desafio da astrobiologia. Mas algumas referências nós já temos.

Se considerarmos a vida como a conhecemos, a primeira variável a observar é se o planeta se encontra na Zona Habitável, que é uma faixa de distância mínima e máxima da estrela que orbita onde é possível encontrar água em estado líquido. Essa faixa varia, naturalmente, de acordo com a quantidade de calor produzido por essa estrela. É importante também que se trate de um planeta terroso (rochoso), como o nosso, e que não seja pequeno demais, para que possa sustentar gravitacionalmente uma atmosfera.

Atendendo a estas condições, o próximo passo é analisar esta atmosfera. O jeito mais fácil de fazer isso com a tecnologia atual é analisar os espectros formados quando esses planetas cruzam o caminho da luz de uma estrela. Quando não há atmosfera, o planeta bloqueará a mesma quantidade de luz em todos os comprimentos de onda. Caso houver variação, a partir desses padrões é possível estimar sua composição química. Apesar de o próprio Stephen Hawkings, um dos pais da física moderna, já ter afirmado que a busca por formas de vida alienígena possa ser perigosa para a continuidade da vida na Terra, o meio científico parece bem disposto a continuar a busca. E como os telescópios não têm trazido muitos resultados, a nova proposta é usar os microscópios.

A astrobiologia não se preocupa apenas com a dimensão extraterrena e suas características, mas também olha muito para o nosso próprio "umbigo". Estudando os micro-organismos que sobrevivem em condições extremas, onde nós imaginávamos que não existiria vida, fica mais fácil saber onde e como procurar indícios de vida em planetas de condições mais hostis que o nosso. Já encontramos vida em caldeiras vulcânicas, fontes hidrotermais e mais recentemente em lagos com grade concentração de arsênio. O conhecimento desses organismos chamados de "extremófilos" têm remodelado os antigos padrões imaginados para o surgimento e desenvolvimento da vida.

Um exemplo de como o estudo dos ambientes extremos auxilia na corrida pela busca de vida em outros planetas são os micro-organismos encontrados em cristais de sal no deserto do Atacama, que sobreviviam nos vapores de água atmosféricos. Marte possui grandes depósitos de sal, e já é sabido que o planeta tem vapor suficiente para formar geadas. Na Ilha de Axel Heiberg, no Oceano Ártico, bactérias foram encontradas sobrevivendo em águas com temperaturas abaixo de zero e ricas em metano. Bactérias como essa poderiam sobreviver nas nuvens de metano marcianas.

Em 2010, pesquisadores russos também iniciaram um projeto ambicioso: a perfuração de uma calota de gelo antártico de mais de três quilômetros de espessura, com o objetivo de alcançar o lago subglacial Vostok. Como suas águas se encontram em isolamento há mais de 20 milhões de anos, esse ambiente poderá nos dar pistas sobre a possibilidade de vida em Europa (imagem à direita), a lua congelada de Júpiter.

Os estudos do ambiente na Terra e no espaço caminham juntos, um apresentando novos dados ao outro, e assim ambos aprimoram seus métodos de pesquisa. A NASA acredita tanto nesse desenvolvimento conjunto, que em 2018 inicia um projeto de três fases. A primeira enviará uma sonda coletora a marte, que isolará amostras de rochas. A segunda, envia uma segunda sonda (em 2025) para receber este material e dispará-lo de volta à Terra. Na terceira fase o material será interceptado e trazido para mãos humanas.

Se essas rochas conterão amostras de vida fóssil ou mesmo evidências de que a vida em Marte é um fato atual, não saberemos tão cedo. Mas o desenvolvimento da astrobiologia nos próximos 15 anos parece ser promissor ao ponto de poder usar os dados recebidos num projeto mais eficiente, talvez para locais ainda mais distantes. A nós, resta esperar que os astrobiólogos encontrem as evidências (ou, se as evidências tiverem inteligência, que elas encontrem nossos astrobiólogos).

André Estevam, Jornal Biosferas, UNESP Rio Claro







Nos encontre nas redes sociais: