Jornal Biosferas

Brand


ED. ESPECIAL 2012: A Biologia como Ciência e a Biologia como Profissão




O Valor da Natureza-Estimativas controversas para um "produto" ainda desconhecido

Qual seria o valor da natureza? Esta questão surge de modo intermitente em discussões sobre conservação da natureza e atividades econômicas, porém agora está decidido. A natureza vale aproximadamente oitenta e cinco trilhões de reais (R$ 85.000.000.000.000,00), conforme reportagem publicada na revista Veja (edição 2168) intitulada "Matar a natureza é matar o lucro". Esta cifra foi calculada estipulando-se valores para os serviços ambientais e recursos naturais, os quais são considerados bens públicos disponibilizados pela natureza como resultado de uma complexa teia de intercâmbios de matéria e energia entre componentes vivos e não-vivos do ecossistema. No entanto, faz sentido estipular um valor para a natureza?

Para profissionais de outras áreas talvez signifique alguma coisa, contudo, os biólogos devem observá-lo com ressalvas. Profissionais que tiveram sua formação acadêmica em outras áreas do conhecimento provavelmente desconhecem que alguns recursos naturais, por exemplo o petróleo, foram produzidos e estocados como resultados de processos ecossistêmicos que levaram um extenso período de tempo (360 milhões de anos) e , inevitavelmente, o consumo atual pelo homem resultará no esgotamento de seu estoque.

Desconhecem que alguns recursos naturais, por exemplo, peixes comercialmente explorados, têm suas populações consumidas num nível superior ao de sua taxa de autorregeneração, conduzindo os estoques em direção a uma redução gradual de tamanho até o esgotamento total, salvo se medidas de conservação forem adotadas. Desconhecem também que os componentes do ecossistema são extremamente diversos e que esta variedade apresenta diferentes níveis, entre eles: indivíduos, populações, comunidades. O biólogo, diferentemente, aprendeu todas estas informações durante sua formação. Justamente por isso deve levantar ressalvas ao se deparar com questões como: qual o valor da natureza? Acredito que esta questão é impossível de ser respondida, pois não se sabe nem mesmo quantas espécies existem.

Como estimar o valor da natureza se seus componentes são desconhecidos? Uma simples busca no Google revela algumas dezenas de artigos apresentando a descrição de novas espécies na última década apenas no Brasil. A despeito de toda essa argumentação, há textos que sugerem que podem ser anotados alguns valores para a natureza, entre eles:

Valor de mercadoria: trata-se de um valor mercadológico, no qual se estabelece um preço, originando uma relação de compra e venda. Trabalhadores como pescadores profissionais, seringueiros, caçadores e coletores empregam este conceito de valor aos recursos naturais por eles explorados, alguns aceitos e regulamentados, outros não.

Valor de conveniência ou de comodidade: trata-se de um valor relacionado à simples existência de um dado componente do ecossistema, que indiretamente torna melhor a vida do homem. Por exemplo, uma flor, ou um beija-flor polinizando uma flor tubulosa, são manifestações da natureza que utilizamos para distração, recreação ou relaxamento. Nestas situações nossa vida fica mais confortável, pela simples constatação da existência destes outros componentes.

Valor moral: é o mais controverso de todos, pois todo componente do ecossistema tem seu valor intrínseco, próprio, independente do uso ou importância que a humanidade dê a ele. O problema com este conceito é que cada pessoa assume um valor para um dado componente. Por exemplo, qual o valor de uma onça-pintada? Um pecuarista terá uma percepção diferente de um cidadão urbano, que não tem sua atividade afetada pela onça-pintada (lembre-se: valor é diferente de preço, que é o quanto você paga por algo. O termo valor aqui pode ser considerado sinônimo de importância).

Valor de opção: considera a possibilidade de uma descoberta científica futura que torne útil um componente do ecossistema que hoje é considerado inútil. Assim, se este componente for extinto o dano será irreversível, isto é, perde-se para sempre a possibilidade de geração de riqueza (no caso de uma espécie e toda a resposta genética presente em suas populações).

Todos esses valores servem de base para o modo como o homem irá se relacionar com a natureza. Atualmente observamos o predomínio de uma visão utilitarista, na qual a natureza é vista como uma fonte de riqueza gratuita, para ser explorada, indicando que o valor de mercadoria sobrepuja os demais. Assim, é necessário que o homem mude seu comportamento em relação à natureza, isto é, mudar a forma de lidar com a natureza. Mas, como fazer isso?

Apenas com a educação ambiental será possível promover esta mudança de comportamento. Quando digo educação ambiental não defendo somente atividades educativas lúdicas executadas com crianças em escolas, mas também pesquisa e divulgação de seus resultados para diferentes públicos. O biólogo é o profissional que tem por vocação e por capacitação o dever de advogar pela proteção da natureza. Neste sentido, este profissional deve apresentar argumentos consistentes para influenciar o comportamento de outras pessoas, chamando a atenção para a importância da proteção à natureza, fornecendo informações complementares imprescindíveis aos gestores públicos e privados, auxiliando na orientação de seus negócios. Assim o biólogo influenciará os valores e o comportamento dos políticos, empresários, economistas e sociedade civil. Esta influência, já pode ser percebida em algumas empresas de grande porte que já adotaram a agenda ambiental em suas atividades, como a Walmart e a Coca Cola, por exemplo.

A atuação do profissional biólogo deve ser pautada no conhecimento de que é incorreto insistir na dotação de valores para os componentes da natureza, pois, sob a perspectiva da evolução por seleção natural nenhum componente é superior ao outro. Além disso, existem equívocos que podem ser apontados na dotação de valores para a natureza. Primeiro, a desconsideração das intricadas interações ecológicas realizadas pelas populações de diferentes espécies, de modo que os sistemas de espécies que deveriam ser valorados, por exemplo, o efeito top-down (efeito descendente na estrutura de uma comunidade). Segundo, para a maioria das espécies não foi estipulado valor algum, especialmente para as espécies raras ou ecologicamente pouco influentes. Terceiro, e talvez mais perigoso, é a definição de um preço, o que abre precedente para aparecer alguém disposto a pagar.

Quanto custaria o ecossistema das cataratas do Iguaçu? Um economista a serviço de um empreiteiro poderia calcular que a eletricidade gerada ali pagaria em alguns anos o valor estimado. Neste sentido, em longo prazo, o empreendimento apresentará um custo-benefício sob aspectos exclusivamente econômicos. O lucro seria de alguns, contudo, a perda seria de todos os cidadãos brasileiros.

Fernanda Leite de Alcântara, Jornal Biosferas, UNESP Rio Claro







Nos encontre nas redes sociais: