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ED. ESPECIAL 2014: Divulgação Científica e Desenvolvimento Social




É preciso mudar a cultura da divulgação científica entre os futuros cientistas

A cobertura da ciência e tecnologia pela mídia ainda suscita crítica de especialistas e cientistas. Dentre as principais reclamações estão a falta de cuidado com a informação divulgada, a imprecisão dos conceitos científicos e o sensacionalismo. Felizmente a relação cientista e jornalista tem melhorado sobremaneira nos últimos dez anos, graças ao melhor preparo dos jornalistas, que encontram cursos de capacitação em ciência e divulgação científica, e à relevância que agências de fomento e instituições de pesquisa e ensino têm atribuído à comunicação da ciência.

No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer. Não é incomum ouvir de jornalistas que cobrem ciência que é mais fácil contatar pesquisadores no exterior do que em seu estado ou país. Por outro lado, a cobertura jornalística, frequentemente, dá mais espaço à ciência dos países desenvolvidos do que a nacional. Ambos cenários, tocam na questão da dificuldade de acesso às fontes de informação e na baixa valorização da ciência nacional. Se cientistas estrangeiros são mais acessíveis por entenderem a importância de divulgarem informações científicas, instituições estrangeiras e revistas especializadas internacionais de prestígio, como as “sempre presentes” Science e Nature (dentre outras) mantém canais de comunicação com jornalistas que facilitam a apuração de matérias e divulgação de material de apoio de qualidade para rápidas coberturas. A maior facilidade de encontrar pautas relevantes e fontes de informação no exterior lhes garante mais espaço no jornalismo brasileiro.

Como forma de contribuir para uma mudança na cultura de divulgação científica entre os futuros cientistas e engenheiros eu e Graça Caldas, jornalista de ciência e pesquisadora colaboradora do Labjor/Unicamp, decidimos oferecer neste semestre a primeira disciplina de Divulgação científica para graduandos de todas as áreas do conhecimento. Entrar na grade curricular do ensino superior é importante passo para mudarmos as atitudes de cientistas em relação à mídia. Mesmo que eles não se tornem divulgadores científicos, como o médico Dráuzio Varella, a neurocientista Suzana Herculano ou o físico Marcelo Gleiser, eles podem ser mais acessíveis aos jornalistas, como a geneticista Lygia Pereira, o climatologista Carlos Nobre ou o filósofo Roberto Romano, que são fontes frequentes no noticiário, ajudar a promover boas pautas de interesse jornalístico, como Carlos Joly, coordenador do projeto Biota da Fapesp, que promoveu exposições para o grande público, Alexander Kellner, paleontólogo que já organizou entrevistas coletivas para divulgar resultados de pesquisa, ou tantos outros que mantém canal direto com os assessores de imprensa de suas instituições ou jornalistas para informar sobre suas pesquisas ou temas que podem gerar interesse público, publicam livros para não especialistas, colaboram com editoriais, artigos ou cartas ao editor de jornais e revistas, proferem palestras para estudantes do ensino médio ou fundamental, participam de olimpíadas, feiras de ciências ou projetos sociais em prol da educação de ciência, entre muitas outras formas de colaborar com o desenvolvimento social, por meio do diálogo com a sociedade.

A disciplina, que abriu 40 vagas e recebeu 42 inscrições e revelou uma demanda por parte de cientistas, técnicos e funcionários de instituições de ensino e pesquisa. Nesta primeira edição, no entanto, priorizamos os estudantes de graduação, mas já vislumbramos cursos voltados para os demais interessados, como já ocorre desde de os anos 1980 nos EUA e países desenvolvidos como a Inglaterra.

O primeiro dia de aula reuniu jovens de cursos variados, como era planejado: biologia, química, física, matemática, letras, estudos literários, história, engenharias de alimento, química, elétrica, de computação, tecnologia em construção civil, tecnologia em controle ambiental e gestão pública. A expectativa é que ao longo de 15 aulas eles possam se familiarizar com a divulgação científica, as técnicas de escrita e linguagem jornalísticas, com as questões fundamentais da política científica e que envolvem os processos de construção e validação do conhecimento, bem como tenham oportunidade de praticar a divulgação seja por meio da escrita de textos, ou de atividades a serem desenvolvidas durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, a ocorrer no mês de outubro, entrevistas coletivas à especialistas e jornalistas, ou compartilhando de seu senso crítico a matérias de ciência e tecnologia. A rotina da disciplina está sendo registrada em blog, construído e desenvolvido pelos alunos e professoras.

Colaborar para uma mudança de atitude desses futuros cientistas e engenheiros em relação à mídia exige um movimento por parte de outras universidades e instituições do país de oferecimento de disciplinas semelhantes, bem como cursos voltados para cientistas, técnicos e interessados atuantes na pesquisa brasileira. Com uma geração de cientistas mais consciente sobre seu papel no diálogo e transferência do conhecimento com a sociedade, todos tem a ganhar com a melhoria da qualidade da divulgação científica.

Germana Barata é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e editora da revista Ciência e Cultura, editada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)







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