Futurologia é o campo da ciência que visa, como o nome sugere, prever
o futuro. Ela engloba diversas áreas da ciência e diferentes pontos de
vista, como geologia, física, química, ecologia, ciências sociais, economia,
entre outros. O modo como essas "previsões" são feitas é que as determina
como científicas. Embora sejam todas especulações, as mais sérias vêm embasadas
em complexos modelos matemáticos e estatísticos, que analisam o modo como
as coisas decorreram a partir de uma data no passado até hoje, e fazem
uma projeção para como seria a continuidade.
É a partir destes estudos que obtemos dados sobre como o clima vai
se comportar na Terra pelos próximos anos, décadas ou até mesmo séculos.
Entre as muitas importâncias deste tipo de estudo, estão, por exemplo,
os dados necessários para nosso planejamento político, social, tecnológico
e econômico para os próximos anos em função dos riscos do aquecimento global.
O que torna esse assunto tão polêmico e constante nas mídias, no
entanto, é que apesar do embasamento científico e das consistentes argumentações,
cientistas têm chegado a resultados bastante diferentes, em alguns casos
até mesmo opostos, sobre o que poderá acontecer com a Terra e, consequentemente,
conosco.
Quando o pesquisador inglês James Lovelock apresentou em 1979 sua
hipótese de que a Terra poderia estar viva, a comunidade científica não
reagiu muito bem. Isto porque os principais modelos que tínhamos na época
(e temos até hoje) para entender e prever as alterações climáticas são
modelos geoquímicos. O que isso significa, na prática, é que consideramos
dados principalmente de duas ciências: física e química.
Exemplos de dados físicos, em sua maioria ligados à geologia, são
a temperatura do planeta (do ar, da água, ou da terra), o tamanho das calotas
polares, o tamanho das superfícies cobertas por gelo e água nos oceanos,
etc. Já os dados químicos estão relacionados à quantidade de gases na atmosfera
(como o CO2 ou CFCs), composição das águas, fluxo químico de substâncias
na atmosfera e até mesmo a entrada e saída de substâncias da Terra.
Assumir uma Terra viva, como propõe a "Teoria de Gaia" de Lovelock,
acrescentaria uma nova perspectiva de estudos: a fisiologia ambiental.
O lado bom dessa história é que nos traz uma visão muito mais realista
dos sistemas de resposta do planeta, pois ele passa a ser encarado como
um sistema autorregulador (como qualquer sistema vivo). A parte complicada
é que ainda não temos condições científicas e tencológicas de analisar
estes dados com tanta precisão.
Acrescentados aos dados físicos e químicos, seriam levados em conta
dados biológicos e ecológicos. Hoje sabemos que as plantas têm função no
regulamento da temperatura do ar de certas regiões, que bactérias nos oceanos
estão ligadas fortemente ao regulamento da composição do ar atmosférico,
que os organismos vegetais e as grandes criações de animais em cativeiro
participam no equilibro de CO2 do ar, e que, junto a tudo isso, o ser humano
também tem causado alterações nestes sistemas.
A análise biogeofísica, proposta por Lovelock, acrescenta uma série
de "feedbacks" (respostas positivas ou negativas do sistema) aos cálculos
atuais. Assim, se a temperatura dos oceanos era um fator importante para
medir a temperatura da Terra, agora além disso ela será fator determinante
para a vida das bactérias que regulam o ar atmosférico. Se a precipitação
de chuvas era um dado importante para determinar o clima, agora ela passa
a ser fator determinante na vida das plantas que regulam a quantidade de
CO2 no ar.
As pesquisas e resultados apresentados por James Lovelock e outros cientistas
que partilham desta visão encaram nosso planeta como um organismo vivo
como qualquer outro, que tentará manter a homeostase (equilíbrio de suas
características) com um sistema próprio de manutenção. Isso não quer dizer,
absolutamente, que a Terra tenha uma consciência e que se vingue do ser
humano por seus atos cruéis. Mas significa que, se tentarmos atrapalhar
esse equilíbrio insistentemente, em algum momento o sistema pode responder
de modo a nos eliminar daqui.
Os resultados apresentados por este tipo de pesquisa nos levam a
encarar uma verdade muito mais inconveniente que a recentemente apresentada
pelo político americano Al Gore, em seu livro e documentário homônimo (Uma
Verdade Inconveniente, 2006). As previsões feitas pelo IPCC, principal
instituto internacional de pesquisas climáticas, têm se mostrado inefetivas,
e Lovelock destaca alguns problemas do nosso modo atual de investigação.
O primeiro deles é a estranheza sobre os "consensos científicos"
do IPCC, que engloba centenas de cientistas que concordam num modelo coletivo
para as alterações climáticas. Esse consenso não seria possível na prática,
mas para apresentarmos um resultado único aos governos da Terra e eles
possam se planejar, há um grande esforço de juntar todos este modelos numa
"previsão padrão". Além disso, não se descarta a possibilidade de que grandes
interesses políticos e econômicos possam atuar sobre estes resultados trazendo-os
a seu favor.
O segundo, e talvez mais importante para este artigo, é que os modelos
do IPCC apresentam mudanças lentas e graduais até 2050. Mas não é isso
que as medições científicas estão registrando. O que ocorre é uma seqüência
de aumentos e diminuições súbitas, de menor ou maior proporção. Isso faz
com que tenhamos um período muito quente, que pode ser seguido por anos
de resfriamento. E aí quando nos perguntarmos "onde está o aquecimento
global?" pode haver um aquecimento súbito. Isso pode parecer pouco importante
da ótica geofísica, mas da ótica biológica, um aquecimento súbito de 1
ou 2 graus Celsius na temperatura média dos oceanos seria o suficiente
para afetar fortemente algumas bactérias importantes na regulação atmosférica.
Um outro exemplo do que os sistemas atuais têm ignorado é o derretimento
do gelo suspenso dos oceanos (que é aquele gelo flutuante que não está
preso ao continente). Se enchemos um copo com água e gelo, perceberemos
que a água permanecerá gelada por muito tempo. Isso porque é mais difícil
aquecer gelo do que aquecer água (propriedade de calor latente). Quando
esse gelo derrete, no entanto, a água se aquece rapidamente.
O gráfico acima mostra as previsões para o derretimento da cobertura de
gelo do ártico em porcentagem (eixo y, vertical) em função da passagem
do tempo em anos (eixo x, horizontal). Em cinza mais claro, temos as faixas
de resultados apresentados pelo IPCC (a gama de resultados possíveis).
Em cinza mais escuro, a faixa onde se concentram a maioria destes resultados,
e onde se baseiam a maioria das políticas públicas ou empresariais relacionadas
ao clima. Em vermelho, o "consenso" apresentado pelo IPCC em seu relatório.
Por fim, temos as medições reais de satélite, na linha preta, realizadas
entre 1979 e 2007.
Percebemos como o derretimento atual está ocorrendo cerca de 40 anos antes
do previsto, o que é muito preocupante se pensarmos que ainda nos
baseamos nestes modelos. Embora as orientações de James Lovelock possam
nos parecer extremistas, quando diz em seus livros que não há mais o que
se possa fazer para "consertar" as mudanças climáticas, e portanto devemos
nos focar em preparar as regiões da Terra que serão habitáveis para serem
"botes salva-vidas" da humanidade, é algo no mínimo a se levar em conta.
Muitas outras polêmicas são apresentadas pelo pesquisador em seus livros,
que aponta até mesmo que o uso das energias renováveis (células de hidrogênio,
energia eólica, substituição dos combustíveis fósseis) possa trazer mais
gastos que ganhos ao homem, e só se sustentam por interesse econômico das
indústrias que gerem esses processos.
Mas se continuarmos a ver como loucos aqueles que fazem ciência independente
e eventualmente apostam contra nossos modelos consensuais, que alternativa
teremos quando nossos modelos começarem a se mostrar errados? Quando a
ciência se enforca pelos dogmas dos modelos, percebemos que corremos riscos
muito mais sérios que um erro matemático, mas erros em planejamentos globais
para as sociedades humanas, que podem nos custar até mesmo o preço de nossa
extinção. É importante, tanto para os cientistas quanto para a sociedade
como um todo (que sofrerá em seu cotidiano as mudanças baseadas nos resultados
científicos), que prestemos mais atenção a estes detalhes. Caso contrário,
nossos modelos matemáticos podem deixar de ser a ferramenta indispensável
que são, pois no trabalho de negar os discursos que os contrariam, nós
é que nos tornaremos a ferramenta na mão destes modelos.