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Impressões da Ilha do Cardoso

- Vocês querem navegar com ou sem emoção? - a pergunta do comandante do barco surpreende os visitantes a caminho do Parque Estadual da Ilha do Cardoso, em Cananeia, litoral sul de São Paulo. Apostamos na emoção e descobrimos como é "voar baixo" no mar. 

A aventura de conhecer um reduto da biodiversidade começa num imenso parque de diversões marinho para os alunos de Ciências Biológicas de Araras, interior de São Paulo. O objetivo é conhecer um complexo ecossistema, com florestas de encosta, praias arenosas, restingas, manguezais e costões rochosos. Trata-se de uma ilha dentro de outra, separada do continente por um canal de águas salobras, com riquíssimo estoque natural de animais e plantas, que sobreviveram às ações devastadoras da colonização do homem. Transformada em Parque Estadual em 1962, não é apenas um refúgio de diversas espécies: atua como berçário..

Maravilhando a todos como num espetáculo visual, logo que pegamos o barco à caminho da ilha, surgem os primeiros botos-cinzas. Rápidos, cortam as águas escuras deixando a mostra sua nadadeira dorsal. Sempre em grupos, ficam a nadar pelas águas, emergindo para respirar. Pergunto ao comandante do barco: há quantos destes botos por aqui? "Mais de 300" - diz com um discreto sorriso e o olhar atento ao horizonte. Outra pergunta que não se cala: afinal, qual a diferença desses mamíferos marinhos dos golfinhos?

 O professor de Zoologia do Centro de Ciências Agrárias da UFSCar de Araras, Vlamir José Rocha, explica: "O boto pertence à espécie Sotalia guianensis e é um animal mais presente na costa. Quando comparado ao golfinho, é menor e apresenta uma coloração mais homogênea. O golfinho, por sua vez, encontra-se mais presente em mar mais aberto e é maior que o boto. Ele tem cor mais escura no dorso e mais clara no ventre". 

Outra característica é que, como são animais sociais, quando um boto filhote enrosca em redes de pesca, outros acabam por se enroscar também. "Os filhotes, ao relarem na rede, tem como instinto rodarem o corpo e, assim, se enroscam ainda mais. Os pais e tios, tentando salvá-los, fazem o mesmo movimento e se enroscam. Morrem afogados. Por isso que é comum achar mais de um boto preso.", enfatiza o professor.

Ouriço do mar

Ao desembarcarmos, entre as passadas, que deixam uma vaga marca na areia, desfeita pelo vento, nosso guia, sempre com um bom humor característico destaca que no interior da Ilha, bem mais ao centro, é possível encontrar fósseis de ouriços do mar e de moluscos. "Isso é prova que o mar já esteve aqui, se afastou e agora está retornando".

 Em cada passada, é possível encontrar uma infinidade de conchas de moluscos das mais variadas formas e cores. Somado as conchas, as bolachas-do-mar estão sempre presentes, levemente enterradas sob a areia da praia. Com um olhar mais atento, ao observar uma forma gelatinosa, eis que está ali uma espécie de ctenóforo, um animal parecido com uma medusa, mas que não possui cerdas urticantes e pode emitir bioluminescência. Águas-vivas comumente são encontradas encalhadas nas areias, semelhantes a sacos plásticos repletos de água. 

A caminhada prossegue e eis que chegamos ao costão rochoso. A princípio, numa rápida olhada, nada de interessante. Parece haver apenas pedras e mais pedras, lapidadas pela força das ondas do mar. Ao se aproximar, a vida surge incrustada nas rochas: mexilhões, moluscos e cracas. Apesar de serem semelhantes aos moluscos devidos às conchas, as cracas são crustáceos sésseis, ou seja, parentes dos camarões e caranguejos, que ficam fixos na superfície sólida.

 Nas pequenas piscinas formadas entre as rochas, anêmonas vermelhas e marrons esticam seus tentáculos para a captura de alimentos. Ao lado delas, lá estão ouriços-do-mar, com seus espinhos a lhes proteger. É comum surgirem siris que, diferente de caranguejos, tem as patas traseiras modificadas em remos para natação. Ainda nas piscinas formadas nas rochas, surgem pequenos peixes. Dentre eles, baiacus, que nadam sem serem incomodados, quase confundidos com o fundo acinzentado. 

Ao serem capturados, uma surpresa: parecem inflar instantaneamente. "Baiacus, na verdade, engolem água para parecerem maiores do que são e, assim, buscam intimidar os possíveis predadores. Eles não inflam, eles se enchem de água. São venenosos e sua toxina se localiza normalmente no fígado. Caso este órgão seja retirado com cuidado sua carne é comestível", explica o professor. Mas quem quer arriscar?

Juliano Schiavo







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